O consumismo e o Natal...

No Natal, parece-me, os chamamentos desesperados por uma luta interna contra o guloso consumismo são já quase tão típicos como o Messias nascido ou o homem de vermelho na chaminé. São os anúncios na televisão, as entrevistas com os iluminados da época natalícia, os contos lamechas com morais de história que se repetem há uns cinquenta anos, e os alertas em néon para que nos amemos uns aos outros. “Não esqueçam o verdadeiro espírito de Natal”, “O amor é lindo”, “Não cedam à despesa”, etc., etc., etc.

Fuzilem-me se digo que o consumismo não passa de uma das expressões pós-modernistas do amor. Estranho? Bem, uma altura houve em que as Cruzadas representavam o expoente máximo da fé e a Inquisição contribuía para a aproximação a Deus.

Descansem, Jesus Cristo nunca vai ser substituído pelo barbudo da Coca-cola, o consumismo típico do Natal não é a causa de todos os males do Homem, e (aceitem) não nos vamos afogar numa onda de futilidade até o nosso cérebro perder qualquer tipo de utilidade.

Vejamos as coisas assim, o sentimento de amor é intemporal, é sempre o mesmo ao longo dos tempos. O que muda é o modo como o encaramos e lidamos com ele. Na Idade da Pedra o amor tomava-se; no século dos trovadores causava a ‘morte’ aos amantes não correspondidos; no séc. XIX gordura era formosura; no séc. XX não existiam modelos com mais de 60 quilos (actualmente já chegam aos 62 ou 63 quilos).

Hoje? Bem, hoje o amor confunde-se com as várias direcções que pode tomar, provavelmente nasce com a mesma facilidade com que morre, e é algo tão banal que pode brotar e perecer numa noite de whisky.

Materialismo não é crime, é estima mal expressa: adoro-me, compro-me uns mimos; amo-a, adulo-a com presentes; o meu filho é lindo, ofereço-lhe uma bicicleta. Não dramatizem, o consumismo não nos vai transformar a todos nuns autómatos alimentados a futilidade. Vão existir sempre (com ou sem materialismo) os que sonham com roupa cara, os que vagueiam a mente por um corredor pouco iluminado, os menos civilizados, e vão existir sempre os que apresentam Teorias da Relatividade, os que escrevem “To be or not to be”, e os que inventam as bombas atómicas. É a natureza humana.

Não, este texto não é um hino à futilidade, não é um “Gastem os ordenados com coisas tolas, endividem-se até aos cabelos e façam das compras o objectivo das vossas vidas”. É um “Não condenem tanto o consumismo natalício, as pessoas não se vão esquecer do Menino que nasceu no Natal. Simplesmente há 1000 anos atrás celebrava-se o Natal de um modo, hoje celebramos assim, e daqui a 1000 anos quem sabe como o celebraremos”. Mas uma coisa é certa, sempre existiram e sempre vão existir os denominadores comuns que nos movem em Dezembro: o Salvador, a compreensão, a tolerância, o amor, e essas coisas bonitas todas.

Resumindo: mimem os miúdos, ofereçam à esposa aquele casaco que ela já está a pedir há meses, deliciem-se com as ofertas debaixo da árvore decorada, pensem em papel de embrulho, façam o que quiserem. Se hoje é isso que é preciso para demonstrarmos o nosso amor pelos outros (e muitas vezes por nós próprios), então que seja. Pior seria se a humanidade chegasse a um ponto em que não tivesse como se exprimir.

Admitamos, caminhámos para o Amanhã, o Ontem já passou. O “verdadeiro espírito de Natal” continua verdadeiro, só que bem disfarçado. Continuamos a lembrar o berço de Jesus, estamos cientes de que é preciso dar espaço à entre-ajuda, à partilha, à solidariedade, à humildade, à ternura, etc.

A única diferença é que no séc. XXI fazemo-lo através dos nossos cartões de crédito. É correcto?, é menos correcto? Não sei... No fundo o que interessa é o sentimento que nos move nesta época.

Não se preocupem, faz parte da natureza humana amar e lembrar aqueles que se ama. Sempre foi assim e isso não vai mudar.

Pena que o Natal seja só uma vez por ano...

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