Vou começar a divulgar aqui o trabalho de alguns escritores que admiro, na esperança de dar-vos a conhecer uma nova geração de talentos que está a brotar nos Açores.
Aproveito o lançamento da nova obra de Nuno Rafael Costa para iniciar esta nova rubrica.
Será lançada amanhã, dia 18, pelas 19h30, na Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada.
“É difícil explicar, mas às vezes as conversas só parecem ter sentido em sítios que lhe são próprios”. Assim se aponta, num dos contos da obra “ESCONDERIJOS”.
Trata-se de desabafos, de revelações [do domínio intimo] que se transformam ou não em confissões, de conversas que acabam por acontecer nos lugares [públicos] mais imprevisíveis, onde a possibilidade de se desvendar o que quer que seja é praticamente nula. E no entanto, conta-se. Mas tudo? Ou há alguma coisa que deve continuar recôndita, encerrada numa caixa, soterrada na alma?
Este é o desafio. Descobrir se vale ou não a pena desenterrar o que tão bem [ou mal] estava guardado; reconhecer que imagens são essas que se destapam, o móbil que as justifica, e nas mais variadas contradições, desde a lembrança ao esquecimento, ou da mudança à clausura.
Fica o convite. Aguce a curiosidade.
Autor:
Editora:
Chiado editora
Género:
Prosa de Contos Ficcionais
Número de páginas:
104 páginas
Preço:
11 euros
Como encomendar:
Nas livrarias de comércio tradicional; nas lojas das cadeias FNAC, Book.it e El Corte Inglês;
ou através dos sítios internet da “Chiado Editora” [telefone, 218464556 – das 14h às 21h]; e
“Wook”.
Transcrição do conto "ELEGIA":
- Ai homem, que chato que tu és! Bebe o café e cala-te!
Contudo.
- Não Dona Ana! Não é nada do que está a pensar! Eu só lhe quero pedir um cheirinho no café,
como só a senhora sabe – gesticula António, um tanto ou quanto envergonhado por Dona Ana se ter
esquecido de um tão sagrado e diário gesto.
Porque saber-se esquecida, nunca o soube. Tentara. Repetidamente, no irrepetível movimento, tarde quente na montanha, ia alto o sol quando
se deparou com um rapaz. À volta dos 15, pensara aí, nesse cruzamento de existências, choque entre dois corpos e almas. Fora o seu erro, de facto.
Pensar. Tudo foi enigmático. O pensar, esse pensar do pensar estar calado, o acaso, aquele caminho, até a flor (malmequer, bem-me-quer?) oferecida
a ela, ali mesmo arrancada do solo. Surgira o silêncio, que viera, recorda-se. Os nomes que não se quiseram saber, tampouco adivinhados. Só mesmo
uma brisa havia sentido, e bem lhe tinha sabido, decerto uma distracção de um abrasador calor, a forma da poeira se levantar, de deixar atrás de si
uma espécie de neblina que os braços têm de afastar.
- Ai homem! Estes cheirinhos ainda te matam! – Responde, sorridente, também por
se saber querida.
- Obrigada Dona Ana!
Agradece sempre. Porque António é assim, educado, respeitador, exímio observador das
expressões dos outros, dos seus rostos, dos seus dedilhados, mesmo dos disparates ditos, conhecedor
desse sábio jeito de se esconder o indizível.
- E tu? – Quando é Dona Ana a inquisidora.
- Eu? O que tenho eu? – Não entende a pergunta António.
- Sim, tu! Já que tanto queres saber de mim, e há tantos meses que vens aqui, o que é que contas
de ti? – Pousando entretanto o pano sobre o balcão, disposta a receber de mãos libertas o que de lá viesse.
Um homem garrido, António. Ainda novo, apesar da pele querer demonstrar o contrário. Moreno,
salpicado de sinais, com tiques, em especial um, aquele que se destaca entre os outros, o de mordiscar.
- Esses lábios, por exemplo! – Continua Dona Ana – Por que é que os mordiscas tanto?
- Mordiscar, eu? – Enquanto os mordisca. – Oh, Dona Ana! Não estou a entendê-la!
– Entendendo-a muito bem. - Então ainda há pouco se fez esquecida e agora…
- E agora és tu que te fazes esquecido, não é?
Os lábios. São certamente um excesso do corpo para lá de si, um ritual sagrado, solene, a fuga
de um mundo outrora mais novo.
- Esquecido, eu?
- Sim, tu! Ou julgas-me nascida ontem? – Ironiza Dona Ana.
- É apenas um tique, Dona Ana. Afinal, o que hei-de esconder? Aliás…- interrompido pela
senhora, que não se faz rogada.
- Aliás o quê, homem! Já estás para aí a pensar de mim mundos e fundos, não?
Lembrança de alguém, provavelmente. Porque há sempre alguém! Um rosto que fica, um olhar
que se evoca, um acto que se recorda.”